por Nereide Michel em 22/10/2024
Quando Frans Krajcberg, com o seu olhar sensível e indignado, percebeu que poderia usar a sua arte para evidenciar os maus-tratos que o homo brasiliensis estava cometendo contra a natureza, e consequentemente agredindo o seu próprio habitat, ainda pouco se falava em destruição de matas, crime ambiental e a urgência de se adotar medidas para preservar a qualidade da água e do ar. Com suas obras, esculpidas em troncos queimados, galhos retorcidos e raízes ressecadas, o artista alertava sobre os desastres ecológicos que estavam por vir.

Obra de Frans Krajcberg / Foto Gerson Lima
Queimadas recordes assolam a paisagem florestal do país em 2024 – Krajcberg começou a criar suas “árvores denunciadoras” em 1964. Há 60 anos! – e a natureza volta a buscar no acolhimento da arte uma forma de manifestar a sua dor e a esperança de um renascer. Através do trabalho de pintores, escultores e designers ela pode reencontrar a beleza – restaurada, recuperada, reaproveitada.
PROTESTO PIONEIRO
Obras de Frans Krajcberg, da exposição “Grito da Terra”, na Galeria Zilda Fraletti / Fotos: Gerson Lima.
A Galeria Zilda Fraletti associou-se ao engajamento coletivo na luta pela preservação da natureza através de obras de grande impacto de Frans Krajcberg reunidas na exposição “Grito da Terra”. A mostra, de grande repercussão pela temática, esteve em cartaz até 05 de outubro.
O espaço cultural, que está comemorando 40 anos, direciona a sua agenda na divulgação do trabalho de artistas de diversas formas de expressão criativa, cada um com a sua visão sobre o ambiente onde transita e as interferências que dele recebe. Direcionamento que tem materialidade, por exemplo, na arte de Krajcberg, marcada por uma denúncia que se manifesta pelo uso de materiais orgânicos, como troncos, raízes e folhas queimadas, muitas vezes recuperados de áreas devastadas pelo desmatamento. O artista transformava esses elementos em esculturas, fotografias e gravuras que ao mesmo tempo em que assumiam forma de protesto contra a degradação ambiental também celebravam a sua força e resiliência. Arte essencial, imprescindível e sempre presente.
INSPIRAÇÃO TECE A LÃ

Divulgação
A obra engajada de Frans Krajcberg inspirou a Coleção Rizomas do gaúcho Tiago Braga, que foi apresentada em setembro na última Paris Design Week – nas tramas do seu criativo trabalho um alerta para a importância da preservação do Bioma Pampa Brasileiro. O cenário da mostra não poderia ser mais adequado: o Espace Fans Krajcberg, localizado em uma bucólica viela, no coração da antiga Paris, endereço do ateliê do artista polonês, antes de escolher o Brasil para lhe servir de morada.

Divulgação
A coleção Rizomas é composta por esculturas luminosas e bancos que transcendem a funcionalidade. As peças incorporam responsabilidades socioambientais e valores do Design Ancestral, metodologia idealizada por Tiago Braga. Através dela, o designer interpreta práticas e culturas tradicionais com o objetivo de evitar danos ao meio ambiente metamorfoseando materiais em peças artísticas para uso no cotidiano.

Divulgação
Com linhas orgânicas e fluídas, o design da Coleção Rizomas mimetiza as estruturas dos rizomas, emaranhados de caules e raízes que se estendem tanto subterraneamente quanto paralelamente à superfície do solo. Eles interagem em fluxos contínuos, sem início ou fim, estratificando-se em base sólidas ou em formas aéreas.

Divulgação
Inspirada na interdependência e resiliência dos rizomas, onde cada parte contribui para a harmonia do todo, a coleção carrega um profundo simbolismo de conectividade e sustentabilidade. Conceito refletido em uma rede interativa de fios de lã torcida e feltrada, um recurso natural, renovável e biodegradável, extraído de maneira respeitosa. As peças, desenvolvidas por Tiago Braga em parceria com as artesãs da Associação Ladrilã, valorizam o saber-fazer tradicional do extremo sul do Brasil e atualizam o manejo sustentável da lã de ovelha, promovendo a saúde dos rebanhos e a economia circular.

Divulgação
Enquanto os artefatos da série Rizomas utilizam a lã de ovelha para simbolizar e preservar o Bioma Pampa, Krajcberg usava troncos, raízes e cinzas para manifestar a necessidade urgente de proteger os ecossistemas brasileiros. Aliás, as experiências de Tiago Braga com coletivos de artesãs e artesão gaúchos estão na raiz da fundação da Oiamo, uma instituição que dá suporte ao empenho do designer de valorizar uma mão de obra tão específica quanto valiosa.
DESC(ARTE)

Pintura e móveis de Jay Boggo. Foto: Will de Carvalho
Jay Boggo, catarinense de Joinville, é um artista multifacetado cujo trabalho abrange uma variedade de disciplinas, incluindo a direção criativa da marca de moda autoral J. Boggo +, as artes plásticas visuais e o design de mobiliário escultórico. Ele se destaca por um profundo conhecimento de matérias-primas e pela habilidade de transformar materiais e resíduos em arte e design. Em todas as expressões que materializam sua inspiração é visível a prioridade que dá em gerar obras que dialogam com a natureza através das diferentes formas de preservá-la reutilizando, por exemplo, madeiras descartadas pela indústria tradicional.

Will de Carvalho
A paixão pela natureza do artista multifacetado estimularam o seu desejo de fazer diversas expedições pela Amazõnia, especialmente pelo Rio Negro, onde se deparou com uma realidade que reforçou o seu compromisso com a sustentabilidade e a preservação do bioma da região. O resultado foi o lançamento da marca Vedac por Jay Boggo, em 2023, em parceria com a Vestígios Vedac, empresa dedicada à utilização de madeira nativa legal colhida de forma inteligente e sustentável com origem comprovada.
Peças da linha Vedac por Jay Boggo. Foto: Will de Carvalho
Livre de pesticidas e produtos químicos, cada peça é o resultado de um diálogo interno, onde o designer busca iluminar a escuridão da madeira carbonizada, transformando-a em obras que celebram a sabedoria ancestral e o amor pela natureza.

Jefferson Cavalcante
Pallas, uma coleção inovadora de mobiliário, exemplifica a importância da união de diversos setores para a concretização de um projeto que alia a urgência da preservação do meio ambiente com a reutilização de materiais descartados pela indústria tradicional. A proposta é lhes dar uma nova finalidade tanto estética como funcional. Fruto da colaboração entre designers brasileiros e carpinteiros da Amazônia, sob a direção artística da Guá Arquitetura, escritório especializado na valorização das raízes amazônicas, a iniciativa promove a carpintaria amazônica e gera renda aos artesãos da região. Com o apoio do ateliê Vedac, que ao resgatar madeiras desprezadas devido a imperfeições naturais, cria peças que destacam a beleza orgânica destes materiais.

O cabideiro e seu construtor, o carpinteiro Edson. Foto: Jefferson Cavalcante
O banco cabideiro, considerada uma das peças mais emblemáticas do projeto Pallas, trilhou as etapas do processo criativo gerado por Jay Boggo. A intersecção entre a arte e o design amazônico se conectou à sensibilidade e à habilidade produtiva do mestre carpinteiro Edson.

Jay Boggo e Carlo Pereira, CEO do Pacto Global / Foto Caio Guatelli
O impacto do trabalho de Jay Boggo de dupla sustentabilidade, material e social, tem obtido ressonância nacional e internacional. Ele foi convidado para participar do 2024 Bioeconomy Amazon Summit, parte de uma série de encontros promovidos pelo Pacto Global da ONU rumo à COP30 em 2025. Realizado em Belém, em agosto de 2024, o evento apresentou-se como uma oportunidade importante para compartilhar o seu trabalho sustentável, inovador, artístico e poético em São Miguel do Guamá, cidade no interior do Pará. Na sequência, em setembro, o artista e designer esteve presente no SDGs IN BRAZIL (Sustainable Development Goals in Brazil), encontro de sustentabilidade por ocasião da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em Nova York. Organizado pela rede brasileira do Pacto Global da ONU, reuniu líderes mundiais e empresariais para debater temas cruciais como meio ambiente, direitos humanos, integridade e finanças.