Linkultura

por Nereide Michel em 18/03/2021

Para quem nasceu sob o impacto das mídias sociais, que vê o mundo através das telinhas, pode soar um tanto exótico prestar “homenagem a benzedeiras”. Mas para as gerações anteriores, sem dúvida, elas faziam parte do cotidiano e se recorria a estas mulheres de fé para os mais diversos casos, de tosse comprida e susto das crianças, até para problemas mais complicados dos adultos, como “costurar” estiramento muscular ou solucionar outros padecimentos que impediam a livre movimentação. Não importa a classe social, cada família parecia ter a sua protetora contra males espirituais ou físicos. Em Curitiba, entre as mais requisitadas estavam a Maria Polenta e a Angelina, da Silva Jardim.

Dona Glorinha, foto Douglas Fróis, Acervo MAE/UFPR

Engana-se, contudo, quem pensa que as benzedeiras estão hoje relegadas às memórias afetivas, elas continuam ativas e sempre iluminadas pela graça divina – tanto que já fazem parte do patrimônio imaterial paranaense. Delas é o mérito, por exemplo, de continuar com o resgate de plantas e ervas da chamada medicina popular, tradicional dos indígenas. A sua importância para comunidades de todo o estado motivou a realização de uma programação especial neste mês de março do Museu Paranaense em parceria com  o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). Nela, estão incluídas  atividades online relacionadas a esta abençoada atividade, abordando o universo de fé e a vida das suas praticantes na região Centro-Sul do Paraná.

O TRABALHO COMO MISSÃO

Douglas Fróis, acervo MAE/UFPR

Na mesa-redonda virtual “Benzedeiras do Paraná: Mulheres de Fé”, realizada no 18 de março, a antropóloga Taísa Lewitzki conversou com as benzedeiras Ana Maria dos Santos (Ana Benzedeira), Agda Cavalheiro (Dona Guina) e Rosalina Gomes dos Santos (Dona Rosinha), com mediação da arqueóloga do Museu Paranaense, Claudia Parellada. Neste encontro foi possível conhecer um pouco mais sobre as suas histórias e o trabalho que realizam como uma missão.. Antropóloga e pesquisadora, Taisa Lewitzki é autora da dissertação “A vida das benzedeiras: caminhos e movimentos”, que conquistou Menção Honrosa do Prêmio de Obras e Teses da ANPOCS 2020 e o Prêmio Curta Ciência UFPR 2020.

Ana Maria Benzedeira (Ana Maria dos Santos) é benzedeira de Rebouças (PR), coordenadora do Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA), integra a Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais e o Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Paraná.  Aprendeu o ofício de benzer com seu pai na comunidade de Rio Bonito, é conhecedora das profecias do Monge João Maria e defensora de seus Olhos d’Água. Participou do Mapeamento Social das Benzedeiras de Rebouças (PR) e lutou para aprovação da Lei Municipal 1.401/2010, a primeira lei no Brasil que reconhece a identidade étnica e coletiva das benzedeiras e regulamenta o livre acesso às plantas medicinais.

Dona Gina (Agda Andrade Cavalheiro) é benzedeira, remedieira e costureira de rendidura também de Rebouças. Coordenadora do Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA), integra a Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais e o Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Paraná. Conhecedora das plantas medicinais e detentora de inúmeras práticas e conhecimentos tradicionais de cura, ministra oficinas e cursos para benzedeiras em formação. É uma das fundadoras do MASA, com grande atuação nos Mapeamentos Sociais de Benzedeiras e aprovação de leis municipais e estadual de benzedeiras. 

Dona Rosinha (Rosalina Gomes dos Santos) é benzedeira, arrumadeira e costureira de rendidura do município de Irati (PR). Coordenadora do Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA), integra a Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Brasil.  Festeira do Divino, cantadeira de festas tradicionais e devota do Monge João Maria, integra a equipe de pesquisa do Mapeamento Sociocultural das Benzedeiras e Ofícios Tradicionais de Irati que resultou na aprovação da Lei Municipal 4543/2018 que reconhece o ofício de benzedeira como agente de saúde popular.

FÉ DOCUMENTADA

Douglas Fróis

“Instalações-Rituais: documentário etnográfico sobre altares de benzedeiras por onde andou São João Maria”, da antropóloga Geslline Braga, é uma das atrações da programação do Museu Paranaense, em parceria  com  o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). O link do filme, disponibilizado de 28 de março a 31 de março, pelo Instagram e Facebook da instituição, tem como proposta realizar uma leitura dos altares de benzedeiras como instalações de arte contemporânea, notando suas subjetividades, atribuições simbólicas, construção de significados, função ritualística e a presença da fotografia. Nos altares a arte e a estética invadem o cotidiano, mostrando na sua composição aspectos dinâmicos e fluídos presentes na cultura popular brasileira. Um dos principais elementos de culto destes altares são as fotografias de João Maria, santo não-canônico da Região Sul do Brasil. Para a realização deste trabalho foram visitadas casas de benzedeiras e benzedores de cidades paranaenses e catarinenses, por onde o santo passou entre o final do século de XIX e décadas iniciais do XX.

O documentário será tema de uma mesa-redonda virtual, no dia 31 de março, às 19 horas, com a participação de Geslline Braga e da professora da UFPR, Liliana Mendonça Porto, com mediação da arqueóloga do MUPA, Claudia Parellada.

Além disso, uma série de áudios produzidos com as benzedeiras paranaenses, organizados pela antropóloga Taisa Lewitzki, serão divulgados nas redes sociais do Museu Paranaense ao longo de março. O objetivo é apresentar, através deste canal, a trajetória dessas detentoras de conhecimentos tradicionais de cura e defensoras dos ofícios tradicionais de saúde popular. 

PARTICIPAR/ASSISTIR

www.museuparanaense.pr.gov.br

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@museu paranaense