Coisa Nova - Fashion

por Nereide Michel em 19/08/2020

Carlos Drummond de Andrade, Domingos Pellegrini, Paulo Leminski e José de Alencar. Roteiro literário que também pode identificar os caminhos percorridos por Ronaldo Silvestre. O estilista nasceu e retornou à Itabira, berço do poeta das Minas Gerais, deu passos embrionários e decisivos na sua carreira na terra do escritor pé vermelho – como são chamados os nativos de Londrina, no norte pioneiro do Paraná –  e ganhou passarela em Curitiba – “que não tem mar, mas tem bar”- segundo definiu o celebrado autor do “Catatau”. E, em temporadas recentes integra a grade de desfiles do Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza, que tem entre suas atrações culturais, um teatro que homenageia o conterrâneo, que deu vida à “Iracema” e “Ubirajara”.

2020, um ano atípico, comandado por decisões e posicionamentos tomados em decorrência da pandemia do novo coronavírus, registra em seu calendário eventos que chegam ao público utilizando as mídias sociais para evitar aglomerações e condições que favoreçam a propagação da doença. Nos lançamentos do setor da moda, desfiles digitais que se por um lado carecem do fator “emoção”, gerado pela presença física da platéia, ganham espectadores online igualmente ansiosos e entusiasmados para conhecer as coleções assinadas pelos estilistas e designers. Entre estes, está o trabalho autoral de Ronaldo Silvestre, que nesta edição do DFB desenvolveu peças dentro do tema  RESSIGNFICAR (v.) . Sua proposta de resgatar a identidade artesanal brasileira, celebrar o empoderamento feminino, a igualdade de gênero, a geração de renda e a preservação ambiental, além de buscar fortalecer o vínculo da moda com o Terceiro Setor – um grande agente de transformação e desenvolvimento social e sustentável – permeia cada arremate de suas roupas. 

Segundo as lembranças do estilista, “fatores humanos fizeram com que eu me apaixonasse pela moda desde criança e escolhesse uma profissão em que eu pudesse transformar os caminhos e a vida de muitas mulheres em vulnerabilidade socioeconômica em nosso país. Sou filho de uma costureira, durante toda a minha infância eu via a minha mãe desmanchar calças de uniformes usados e costurar à mão para que eu e meus irmãos pudéssemos ter o que vestir”. Com tal exemplo o seu envolvimento social com a moda surgiu de forma natural.

“Em todas as coleções trabalho as metáforas da minha vida e as minhas percepções sobre o mundo, as pessoas e o futuro. Minhas roupas misturam estilos ora funcionais, ora delicados, ora de uma exuberância pontual. Todas as peças são produzidas com resíduos têxteis doados de algumas tecelagens, criando roupas únicas e atemporais, fortalecendo o artwear feito no Brasil, em uma ideia de design circular”, define Ronaldo Silvestre.

Uma consequência deste seu posicionamento foi o retorno à Itabira, depois de 20 anos, para criar  o Instituto ITI – Igualdade, Transformação & Inovação Social, uma ONG sem fins lucrativos que promove gratuitamente o resgate socioassistencial e socioeconômico de mulheres e meninas em vulnerabilidade social. Cursos de qualificação profissional e geração de renda nas áreas de costura, bordado, artesanato sustentável, gastronomia e artes criativas estão entre suas metas, que já beneficiaram 350 famílias das comunidades atendidas.

Foi justamente na sede do instituto que aconteceu a apresentação da coleção RESSIGNFICAR (v.) para o DFB Festival 2020. Na plateia, costureiras, bordadeiras e ex-alunas do ITI,  colaboradoras imprescindíveis na construção da obra do seu autor.

No desenvolvimento das peças sarjas da Santanense Têxtil, denim da Capricórnio Têxtil, resíduos têxteis da G. Vallone, fortalecendo o movimento “Sou de Algodão”, unem-se ao tule e aos resíduos da indústria da confecção.

Ressignificar (v.): 0 verbo como inspiração para Ronaldo Silvestre

“é olhar de dentro para fora. é encontrar novidade no que a gente vê todo dia. é saber que as coisas mudam tanto quanto pessoas. é recriar o que um dia foi criado. é a própria regra. é saber lidar com o novo.

é perceber que tem um pouco da gente em tudo o que a gente faz.

é um exercício de autoconhecimento.

é um ato de extrema liberdade em que a gente pinta o mundo à nossa volta do jeito que a gente vê.

A proposta para esta coleção atemporal 2021 é continuar abrindo algumas gavetas da minha vida, mesmo em tempos difíceis, incertos e dias tristes. Estou recriando o que um dia eu mesmo criei “uma saia se transforma em um vestido com nuances de cores e lavagens”. Um novo desafio que no final sempre revela um pouco de mim, dos meus valores e dos meus processos criativos no redesign sustentável de tecidos e formas.”

Link do desfile:

 https://youtu.be/T0csSDJu1aU 

Créditos

Modelos: Anna Morais, Alice Sanffer, Luana Ferreira e Yolanda Almeida 

Fotografia: Andre Solano e Yan Senna

Filmagem: Esdras Vinícius e Raphael Portilho (imagens)

Direção: Rodrigo Bernardi