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por Nereide Michel em 16/09/2025

Luiz de Souza e Tiago Braga, expoentes brasileiros da arte e do design, carimbaram passaporte para expor obras além das nossas fronteiras. E encontraram um público sensível à mensagem embutida em suas criações.

LUIZ DE SOUZA: BAKU, AZERBAIJÃO

“Youth” , Luís de Souza

No mínimo, inusitada a comemoração dos 30 anos de carreira do artista plástico Luiz de Souza, nascido em Santa Catarina, mas com trajetória consolidada em Curitiba: uma retrospectiva no Centro Heydar Aliyev, em Baku, capital do Azerbaijão. A exposição “Reflexões da Eternidade”, aberta ao público em maio passado e em cartaz até abril de 2026, inclui 39 obras inspiradas no realismo fantástico, divididas em três esculturas e 36 quadros em óleo sobre tela. A mostra acontece no salão principal do espaço, que já recebeu coleções de artistas como Andy Warhol, Salvador Dalí e, no ano que vem, Botero.

Tudo começou em 2024 com uma inesperada mensagem no seu Instagram. Nela, estava um convite oficial para expor no Centro Heydar Aliyev. Descrente a princípio, Luiz de Souza apenas confirmou sua participação no projeto após muita insistência do centro cultural, considerado o mais importante do Cáucaso, que chegou a entrar em contato com a galeria Um Lugar ao Sol, sua representante na capital paranaense. O empenho do diretor da instituição, Anar Alakbarov, também foi decisivo para que aceitasse a proposta, na verdade, um  desafio: realizar uma individual inédita com um prazo apertado para a criação das obras – quatro meses. Sem acervo disponível, o artista recorreu a empréstimos junto a colecionadores enquanto produzia novos trabalhos. Conseguiu enviar imagens de 48 pinturas e esculturas- destas foram selecionadas 39, sendo 10 inéditas.

“The Value of Time”, Luis de Sousa

A escolha das obras para a exposição foi naturalmente relacionada à ligação delas com o tempo. O título escolhido, “Reflexões da Eternidade”, sintetiza as investigações filosóficas presentes na trajetória do artista: o desejo humano de permanência, a busca por resistir ao tempo e o questionamento sobre o que realmente é eterno. “O ego do ser humano é sempre sobre isso, sobre a sua obra permanecer. Você morre, mas a sua obra fica”, reflete o artista, que encara o tempo e a eternidade como matéria e tema centrais em sua produção.

“Kombi”, Luis de Souza

A abertura, no dia do aniversário do artista, reuniu quase mil convidados numa noite especial com música ao vivo e coreografia com os personagens da commedia dellarte, presentes em algumas obras de Luiz de Souza, interagindo com os espectadores. A mostra celebra a arte brasileira e mostra que o tempo pode ser um grande aliado quando se transforma em arte.

TIAGO BRAGA: PARIS, FRANÇA

“Sentinelas Douradas”, Tiago Braga. Foto: Lufe Torres

A capital francesa, iluminada pela criatividade dos designers na primeira semana de setembro, é o destino certo do gaúcho Tiago Braga, idealizador do atelier Oiamo. Na edição de 2025 da Paris Design Week, o artista participou de duas exposições: a “Héritage Culturel et Savoir-Faire”, que aconteceu na Embaixada do Brasil, com “Sentinelas Douradas”, e da “Amuleto”, projeto da ApexBrasil, que teve na curadoria Bruno Simões. A coleção “Vento Pampo” marcou sua estreia na Maison&Objet Paris. As duas mostras integraram o circuito oficial do evento.

“Héritage Culturel et Savoir-Faire” celebrou os 200 anos das relações diplomáticas entre Brasil e FrançaSob a curadoria de Pat Monteiro Leclercq e produção do projeto “bref, design & art”, a mostra reúniu iniciativas autorais que evidenciassem a excelência do saber-fazer artesanal, da arte e do design como expressões vivas das culturas brasileira e francesa.

A presença de Tiago Braga, com edições colecionáveis desenvolvidas pela Oiamo, dialoga de forma natural com a proposta curatorial, uma vez que o ateliê se dedica a mapear, revitalizar e preservar a memória das comunidades originárias do extremo sul brasileiro. Suas criações articulam “objeto, espírito e território”, estabelecendo pontes entre ancestralidade e contemporaneidade em peças de identidade cultural marcante.

“Sentinelas Douradas”/ Foto: Lufe Torres.

“Sentinelas Douradas”, série limitada, assinada e numerada, foi criada especialmente para a mostra, tendo como destaque luminárias-esculturas  desenvolvidas em parceria com artesãs gaúchas. As peças entrelaçam o design contemporâneo a saberes tradicionais de referência cultural. Inspirados pelo animismo, que reconhece espírito em todos os elementos da natureza, os totens evocam uma força vital e guardam histórias que atravessam gerações. Escultóricos, conectam o presente a um tempo mítico. 

Com estruturas orgânicas, que remetem às formas presentes na paisagem do extremo sul brasileiro, os artefatos luminosos são recobertos pelo trabalho minucioso do tricô e do crochê, técnicas quase extintas que concentram a atenção plena e o cuidado de quem os tece. Em contraste com o ritmo acelerado do mundo, convidam ao toque e à pausa contemplativa.

“Vento Pampo”. Foto: Lufe Torres

A exposição “Amuleto”, aconteceu no Parc des Expositions Paris Nord Villepinte, e ecoou o espírito de reunir designers que exploram o diálogo entre identidade, tradição e inovação, conceito da Maison&Objet, que na edição 2025 adotou o tema New & Now”.

“Vento Pampo”. Foto: Lufe Torres

Criada especialmente para a mostra, a coleção “Vento Pampo” nasceu da travessia pelo território do extremo sul do Brasil, uma região de fronteira onde o vento molda a paisagem e a memória floresce no ritmo do campo. Produzida em algodão reciclado e lã natural, a série traduz a linguagem autoral de Tiago Braga, expressa em paisagens têxteis representadas em tapeçarias e almofadas. Os relevos orgânicos e bordados livres exploram combinações cromáticas inesperadas e texturas que evocam colinas, arroios, campinas e charcos. Para o artista, “cada ponto é como o passo firme de um cavalo pampa sobre o solo aberto; cada cor, um sopro do vento minuano.”