Coisa Nova - Fashion

por Nereide Michel em 22/03/2023

A moda reflete expectativas e também gera expectativas. Assimila atitudes coletivas ou individuais, que se pretende ver reconhecidas mas também se transforma em sinalizadora de mudanças comportamentais. Por isso, um olhar atento às passarelas internacionais, a cada temporada, vale como uma visão panorâmica do que está acontecendo em um amplo e diversificado universo no qual cabem não apenas roupas e acessórios. Nelas, sutilmente – às vezes. nem tanto –  estão  o amor e a aversão; a paz e a guerra; a realidade e o sonho. Contrastes de uma sociedade que busca incessantemente o equilíbrio e tem na moda uma confiável porta-voz de desejos e anseios.

Lutas e conquistas da mulher estão sempre na moda. Se roupas e acessórios já vestiram o romantismo encontraram hoje no empoderamento feminino inspiração para construir uma nova imagem para o outrora sexo frágil. Não surpreende que as principais casas de alta-costura desfilem modelos que representam a presença forte e desafiadora de suas musas do século XXI. Fato comprovado no lançamento de coleções da temporada Inverno 2023 do circuito europeu.

Para o Inverno 2023, Anthony Vaccarello, diretor criativo da Saint Laurent, buscou na essência clássica da grife  – uma potente mistura de precisão, emoção e reticência – combinando-a com seus próprios códigos para personalizar a coleção. A sua meta: refletir o momento atual em uma estética familiar, o tailleur- jupe, reconfigurado segundo a sua perspectiva. A precisão pode ser encontrada na linha de ombro marcada de um novo e ousado blazer. Tudo começa com este gesto, o tecido dita o resto.

Criando uma fricção sedutora, a jaqueta estruturada é justaposta com uma camada fluida de tecido, um lenço característico que pode se fundir com o laço de uma blusa ou estender-se como uma estola. A emoção está presente na efetiva dissolução da exclusividade generificada em itens, além do blazer, como no bomber de couro ou uma regata de corte acentuado. Motivos tradicionalmente associados à alfaiataria masculina – risca de giz, tartans e glen plaids – assumem uma feminilidade oportuna graças a uma leveza impressionante. A mulher Saint Laurent expõe seu corpo quando ela deseja e esconde-o se lhe apetecer. Atitudes geradoras da silhueta principal da temporada: blazer confiante combinado com uma saia lápis fina. Uma imagem, sem dúvida, forte e atemporal.

Para o Inverno 2023 da Chloé, Gabriela Hearst ilumina as necessidades e contribuições históricas de mulheres para a sociedade. Inspirada na pintora barroca do século 17 Artemisia Gentileschi, que superou uma série de lutas sociais e pessoais para emergir como uma das artistas femininas mais célebres de seu tempo, a coleção forma o terceiro capítulo da exploração da diretora criativa sobre a questão climática e a necessidade urgente de defender o posicionamento das mulheres como líderes.

Silhuetas com inspiração renascentista, tecidos e materiais inovadores refletem o poder feminino das pinturas de Artemisia. Um casaco puffer com franzido nas costuras é feito de náilon reciclado e um vestido ombro a ombro acima do joelho é cortado em couro Napa – uma abordagem gráfica e modernista do Renascimento. O uso de tecidos contrastantes em preto e branco acentua a cintura em forma de coração e decotes altos de vestidos, imprimindo essas referências históricas com uma estética contemporânea. Gaze de lã de baixo impacto – um tecido pilar da Chloé – oferece uma declaração sutil de poder feminino e é usado em uma variedade de peças, incluindo capas e vestidos longos.

A obra “Esther before Ahasuerus”, inspirada na personagem bíblica Ester, é transposta em vestidos e bolsas como uma tapeçaria gráfica e multicolorida – trabalho de Chanakya, do Mumbai Atelier internacional de bordados, que, por meio de sua escola de artesanato, proporciona às mulheres de comunidades de baixa renda uma educação de qualidade.

Código da vestimenta masculina, a gravata foi rapidamente domada em sua simbologia, em meados do século XX,  pelas mulheres que começaram a se rebelar contra a predominância dos homens em cargos e funções para os quais tinham igual competência. Não era a questão de se apossar de um baluarte mas de reinterpretá-lo sob a ótica de uma fortalecida atitude feminina. E eis que a gravata preta – black tie- volta a ter protagonismo, redefinida pelo diretor criativo da Valentino, Pierpaolo Piccioli, em sua coleção Outono/Inverno 2023.

Segundo a essência captada nos looks desfilados dias atrás na Paris Fashion Week, “um código de vestimenta pode liberar e arquétipos podem ser reimaginados. Símbolo do poder masculino, emblema da ortodoxia e da restrição, nossos preconceitos sobre a gravata tornam-se arquitetura teórica para uma coleção que brinca com regras, emancipando o significado. Seu conceito ideológico é desafiado, em última análise, contradito e totalmente redefinido. Os significantes são reapropriados, transformando-se em diferentes vestimentas: a gravata é desamarrada, solta, deslizando entre a linguagem formal das roupas, entre o dia e a noite. A camisa e a gravata podem se fundir, transformando-se em diversas combinações de vestidos e batas, enquanto essas vestimentas são usadas com saias longas ou curtas, tanto por homens quanto por mulheres”. 

Com capacidade e habilidade a mulher vem, cada vez mais, ocupando espaço em ambientes, que não faz tanto tempo assim, eram prioritariamente masculinos. Presença marcante concretizada também na escolha de acessórios, sofisticados e práticos, que a acompanham, com a mesma desenvoltura, na rotina empresarial e agenda social.  Redesenhada, a Montblanc Sartorial Collection apresenta bolsas e acessórios menores em couro mais macio e com efeito bicolor profundo. Um sistema de modularidade acopla peças pequenas a  bolsas maiores possibilitando novas funcionalidades, opções de estilo e de customização. Versatilidade a serviço das conquistas femininas.

Inspirados na beleza e na experiência da caligrafia, os códigos de design da Montblanc Sartorial estão enraizados na herança cultural da escrita da Maison. Frascos de tinta encontrados no seu arquivo inspiraram o desenho triangular das alças, enquanto a construção das laterais das bolsas evoca a abertura de um envelope com duas peças de couro sobrepostas. Marco Tomasetta, diretor artístico da Montblanc, destaca a atemporalidade da coleção, privilegiando formas modernas adequadas ao uso cotidiano,  mas que, nem por isso, deixa de ser divertida e criativa diante da opção de personalizar as peças. O couro utilizado na linha passou por um processo de curtimento neutro de CO2.