por Nereide Michel em 24/04/2023

Nereide Michel /Arquivo
Muitos passam distraídos, outros quase correndo, pelas ruas centrais de Curitiba. Os passos, que deveriam ser de passeio, são apressados e, por isso, não dão tempo do olhar captar uma importante referência cultural do nosso estado. Nos petit pavés rosáceas com pinhas e pinhões – uma releitura dos padrões gráficos desenhados na década de 20, do século passado, por Lange de Morretes. Mais que decorativas são testemunhas de um movimento que aconteceu há cem anos na capital paranaense e que uniu o núcleo da intelectualidade da cidade em torno de um objetivo: criar uma identidade local para a a nossa produção artística e cultural.
Para dar forma e conteúdo à proposta foi escolhida a árvore símbolo do Paraná, o pinheiro, como uma espécie de “musa” inspiradora de obras de pintores, entre estes, João Turin, também escultor, João Ghelfi e Lange de Morretes – trio responsável pela criação de uma gramática visual paranista – e escultores, como, Erbo Stenzel e Zaco Paraná. Um grupo que também incluiu literatos e compositores musicais imbuídos do espírito parananista ao assinarem as suas obras. O historiador e jornalista Romário Martins, por exemplo, foi um dos entusiastas do movimento e transmitiu a sua essência através dos seus escritos – é de sua autoria o Manifesto Parananista.

Ricardo Marajó/ SMCS
Personagem central do Paranismo, João Turin ultrapassou os limites de sua arte pictórica e escultórica para enaltecer a importância de uma identidade regional destacar-se no cenário cultural brasileiro. Afinal, foi contemporâneo do Modernismo, que fervilhava em São Paulo, o qual na sua primeira fase teve como foco o movimento artístico Pau-Brasil, abraçado por Tarsila do Amaral e o escritor Oswald de Andrade.
Com a assinatura de João Turin ganharam forma elementos inspirados no pinhão, na pinha e na erva-mate, que ornaram fachadas arquitetônicas e móveis. Nas artes gráficas é icônica a sua capa da primeira edição da revista Ilustração Paranaense, com pinhões e o desenho do “Homem Pinheiro”, releitura do célebre “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci. Na moda, é considerado o pioneiro do design autoral paranaense com os seus esboços de vestidos, chapéu, bolsa e sombrinha onde pinhões formam um estilo próprio de vestir. Tanto que o artista plástico inspirou a criação do Prêmio João Turin de Incentivo aos Novos Designers de Moda, direcionado a estudantes de cursos de moda de todo o Paraná, lançado em 2003, do qual foram realizadas dez edições tematizadas na cultura do estado.

Memorial Paranista/ Divulgação
Nada mais justo e meritório, portanto, do que dedicar a um dos principais idealizadores – e mais fecundo – do Movimento Paranista, um espaço em Curitiba dedicado à sua arte. Um projeto concretizado com uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Curitiba – no comando do paranista de todas as horas Rafael Greca de Macedo – e Samuel Ferrari Lado, um dos gestores do acervo artístico de João Turin. O Memorial Paranista foi inaugurado em 2021 anexo ao Parque São Lourenço e já faz parte do roteiro de visitas obrigatórias dos turistas que visitam a cidade.
Como destaca Samuel Ferrari Lago, “o fortalecimento do legado do escultor paranista aconteceu graças à junção de esforços entre gerações de pessoas interessadas em manter sua arte viva ao longo dos anos”. O resgate realizado por sua família, a partir de 2011, possibilitou, além do Memorial Paranista, ações como a construção de uma fundição para produzir originais inéditos de seus trabalhos, montagem de três grandes exposições, localização e recuperação da obra “Pietá” na França.
O acervo de João Turin, que ficou sob a responsabilidade do sobrinho-neto do artista, Jiomar Turin, teve na dedicação da sobrinha-neta, Elisabete Turin, como diretora da Casa João Turin, uma fervorosa propagadora dos ideais paranistas com a realização de mostras e ações educativas com estudantes da rede de ensino de Curitiba no espaço cultural da Mateus Leme, hoje desativado.
CEM ANOS DO MOVIMENTO PARANISTA

Ricardo Marajó/ SMCS
2023 é ano para celebrar, de modo especial, o Movimento Paranista. Um século já se passou desde a fundação de suas bases. Uma data que está sendo comemorada na capital paranaense com exposição no Memorial de Curitiba e o lançamento do livro “Paranismo”, assinado pelo pesquisador e crítico de arte José Roberto Teixeira Leite. Eventos organizados pela Fundação Cultural de Curitiba.

Ricardo Marajó / SMCS
A exposição “Curitiba, Capital do Paranismo”, concebida pela Fundação Cultural de Curitiba, ocupa dois andares do Memorial de Curitiba com originais e reproduções de obras de diversos artistas, cujas linguagens artísticas assimilaram as propostas do movimento – acompanhados de textos explicativos. Entre os trabalhos de João Turin presentes na mostra, destaca-se a releitura da obra perdida “No Exílio”, escultura com 2,70m de altura feita pela artista Luna do Rio Apa. Os visitantes podem direcionar a câmara do celular para o QR Code e acessar um vídeo que mostra a história desta obra e a ação envolvida no seu resgate e releitura. “No Exílio” foi a primeira escultura de grandes proporções criada por Turin, foi executada durante a sua estadia em Bruxelas e premiada com Menção Honrosa em Paris.

Ricardo Marajó / SMCS
A mostra também conta com duas esculturas em gesso de felinos (“Luar do Sertão” e “Tigre Esmagando a Cobra”), três vestidos desenvolvidos especialmente pelo Centro Europeu, a partir de croquis deixados pelo artista, para a premiada exposição “João Turin: Vida, Obra, Arte” no Museu Oscar Niemayer; desenhos e reproduções arquitetônicas de Turin com a temática paranista.

No livro “Paranismo” , José Roberto Teixeira Leite, que também lançou em 2014 uma biografia do artista João Turin, analisa a proposta que enaltece a identidade paranaense por meio do pinheiro, pinha e pinhão, da erva-mate e de outros elementos regionais típicos na arquitetura, artes plásticas, móveis e até na moda. Além de uma rica pesquisa sobre o tema, a publicação também traz um texto da família Ferrari Lago, gestora do patrimônio artístico de João Turin, que relata a trajetória póstuma para preservação das obras (iniciada pelos sobrinhos-netos Jiomar José Turin e Elisabete Turin) até o processo de resgate do legado deixado pelo artista. Turin também é citado diversas vezes em outras passagens do livro por sua relevância dentro da temática Paranista.
+ INFOS
EXPOSIÇÃO “CURITIBA, CAPITAL PARANISTA
Memorial de Curitiba
Rua Claudino dos Santos, 79 , Centro Histórico, Curitiba
Visitação: de terça a sexta-feira, das 9h às 12h e das 13h às 18h. Sábados e domingos, das 9h às 15h.
Entrada gratuita
