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por Nereide Michel em 15/06/2016

…e nos leva junto!

Quem acompanha a trajetória da designer Mary Arantes conhece a sua casa. O lar de suas criações. O modo como ela vive, com quem vive e como se relaciona com o mundo à sua volta. Não se trata de indiscrições. Ou de um diário esquecido em um canto qualquer e, portanto, violável, deixando acessíveis as suas confidências. Não, ela não tem perfil para celebridade ou para participar de um reality show. O que sabemos sobre ela  tem outra forma de divulgação: estão nas peças que ganham formas depois de passarem por um processo – às vezes, dolorido – de lembranças capturadas e memórias remexidas. Mary Arantes está presente em cada detalhe de um colar, anel, brinco, bracelete que compõem uma coleção sua.

A um gesto seu, cores, materiais, texturas, pedrarias se encontram como num jogo mágico convidando para um “decifra-me!” pessoal. Mas nada de regras complicadas para resolver o enigma. Afinal, Mary não brinca de esconde-esconde.  Muito pelo contrário, faz questão da simplicidade, como quem deixa a casa sempre aberta.  É nela que se encontra, sem subterfúgio, em cada parede, em cada móvel, em cada cômodo, a emoção de quem nela vive. E não raras vezes emoção compartilhada entre anfitriã e convidados. É só resgatar da memória o tema de suas coleções: já passou por uma Casa Azul, onde ela viveu; teve guardados em um quarto secreto, uma enorme mesa de jantar  e por aí vai.

Mas se isso é ainda pouco para se “encontrar” Mary Arantes em suas coleções, uma pista: ela elimina releases nos lançamentos de suas coleções e os substitui por palavras suas. Foge da mera descrição de peças para contar, com alma, como elas foram geradas. São os seus sentimentos, as suas memórias, a matéria-prima essencial do que ela assina como designer.

Por isso, justificadamente é  impossível não dar nos escritos de Mary Arantes, que acompanham seus atemporais  lançamentos, um CtrlC CtrlV  – o  requisitado “copia e cola”,  que impera em muitas facetas da mídia nos globalizados dias de hoje. Como nestas suas bem traçadas linhas falando da coleção De Volta pra Casa, recém-chegada e bem-vinda!

DE VOLTA PRA CASA

“Vontade imensa de cada vez mais ser eu mesma. De cada vez mais acreditar no que sempre ­fiz, em como fi­z. Seguindo os acordes do coração. Sentar à mesa de trabalho, sempre em desordem e,  aos poucos, ir descobrindo o desejo das coisas, esperando que contas me falem o que querem ser. Uma espera diária, solitária, quase amorosa, reinada de quietude e mistério.

Vontade imensa de fazer tudo do jeito como aprendi — fazendo — construindo o artesanal de forma nova, buscando o luxo no simples, acreditando que o refi­namento das construções, e a elaboração das ­finalizações,  feitas pela mão do homem, fará toda a diferença neste mundo tão igual.

Descobri, este ano, que não converso enquanto crio. Como se, nas palavras, escapassem as ideias. Neste processo, como quem trabalha o barro, a abertura da queima é sempre uma imensa surpresa. Assim também é fazer uma coleção de bijuterias. As contas “de barro” vão encontrando seu próprio caminho, sua “queima” ideal.

Suavemente chegam as bijus. Os banhos, que nesta estação ganham novas nomenclaturas — ouro antique, prata vintage — trazem uma coleção esmaecida, seja pela escolha da cor das contas, ou pelo tom da superfície dos metais. À flor da pele, transparência e leveza pontuam o que irá brotar sobre ela. Vão se revelando os adornos, algumas vezes de volumetria extravagante. Flores ganham vida, se agigantam na intenção de serem quase reais. Discos de orelha, em forma de brincos, nos fazem lembrar, algum lugar da África, ou da Índia, ou adornos indígenas.

O nude, como tom das fotos, reforça ,na verdade, a quase ausência de cor da coleção. O cenário velado, revestido, no mesmo tom do corpo, na mesma cor da pele, me remete ao parto, à proteção exacerbada, no excesso de zelo e de roupas, com que se reveste o ­filho amado. Na mesa cor da pele, bijus para pele, bijus sem tempo de validade. Coleção que questiona a temporalidade da moda. Inverno? Ou Verão?

 De repente, na “queima do forno”, explode a chama de um vermelho intenso, como algo que jorra, pulsa forte, que se alaranja feito labareda, ou fi­ca preto, como o que se queima. E amadurece.

E enquanto nada na moda muda, seja no ritmo, no calendário que cada vez mais engole a criação, sugando como vampira a alma de quem cria, mudo eu. Faço uma coleção no meu tempo, num espaço de tempo que na moda não existe. Ainda.

Vontade de mudar o tempo, o mundo, feito como fazia quando tinha 17 anos. Vontade de ser cada vez mais aquela menina, que fazia tudo à mão, al­finetava retalhos de renda e tecidos, sempre reaproveitando o que lixo era. Bordava sem saber bordar, pintava broches com tintas de esmalte, sem saber pintar, sem saber qual tinta era a ideal. Experimentava tudo, sem medo! Tingia camisetas (unhas também), num caldeirão de bruxa, acreditando ter nele, toda alquimia do mundo. Pra mudar o mundo.

Mary Arantes, mais conhecida como Meiridisain.” 

Fotos: Leca Novo. Assistente de fotografia: Juliano Arantes. Modelo:  Lisa Bruning, Agência Model. Make: Luiz Bicalho. Hair:Teodooro Remigia. Produção: Davi Leite. Assistente de Produção: Luiza Olivas. Direção de Arte. Gabriela Silva e Gabriel Figueiredo. Estilo: Juliana Scheid e Mary Arantes.