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por Nereide Michel em 17/10/2015

Ao contrário de uma impressão digital, que identifica automaticamente qualquer cidadão, a autoria de um trabalho exige mais do que o gesto de “tintar” o dedo e apertá-lo contra um papel. Uma obra exige diferenciais como criatividade, pesquisa, experimentos – além de boas doses de persistência e ousadia – para que ganhe uma assinatura reconhecida. Quanto mais esta assinatura se associa à originalidade e ao ineditismo mais valorização terá no mercado. Assim é com as artes plásticas, a música, o teatro, o cinema, a dança. E assim é com a moda quando esta cumpre os mesmos requisitos exigidos para uma manifestação ou expressão alcançar o status de atividade cultural.

A 1ª AMA/ Curitiba – Amostra de Moda Autoral de Curitiba, que apresentou coleções assinadas por designers curitibanos, exemplifica a importância de roupas e acessórios confeccionados em pequena escala. Tiragem menor que, na verdade, resulta em peças que aportam interferências da artesania ou pesquisas de materiais inusitados que se tornam atraentes para um público exigente e exclusivista. O encontro entre estas duas pontas – a da produção e a do consumo – na “moda de atelier” movimenta a desejada Economia  Criativa – uma forma de negócio que por não se inserir no mecanismo de fabricação em massa conquista um nicho de compradores que a valoriza como investimento. Sabe que está pagando por um trabalho, cujo estilo por identificar o seu autor  não é descartável, mas, sim, atemporal. Passa incólume pelas tendências ou modismos da estação.

A propósito, a 1ª AMA/Curitiba teve como passarela o Memorial de Curitiba, localizado no setor histórico da cidade, que também tem autoria: foi inaugurado em 1996, pelo então prefeito Rafael Greca de Macedo. Uma arrojada obra arquitetônica, construída com vigas metálicas e laterais de vidro, que teve como inspiração o pinheiro paranaense e a assinatura de Fernando Popp e Valéria Bechara.

RODRIGO ALARCÓN

A joalheria assinada por Rodrigo Alarcón completa 35 anos em 2015. Anos de vivência e experiência que se manifestam em peças originais e atemporais. Perceptíveis em seu desfile, que incluiu criações com mais de  três décadas, muitas de acervo de clientes, que revelaram uma indiscutível contemporaneidade. Além da preciosidade de pedras e metais, o trabalho de Rodrigo Alarcón é identificado pela ousadia na escolha de materiais como ossos, chifres, madeira de demolição, moedas e a onipresente prata, que é “extraída” de uma fonte especial: de chapas de raio X descartadas pelos laboratórios. Como diz Marcelo Alarcón, sócio e irmão de Rodrigo, “joia é um conceito em acabamento”. Os vestidos minimalistas que complementaram a produção do desfile foram assinados pela estilista Francesca Córdova.

SILMAR ALVES

Quem acompanha a carreira do mais paranista dos estilistas curitibanos sabe que ele já levou para a passarela muitos autores consagrados da cena cultural da cidade e do estado de sua procedência. Muitos personagens que habitam o imaginário da  nossa gente também lhe serviram de fio condutor para coleções. Irmãos Queirolo, Leminski, DaltonTrevisan, Nossa Senhora do Rocio (padroeira do Paraná) e Maria Bueno fazem parte do histórico de Silmar Alves. Na AMA/Curitiba ele teve uma musa muito especial: Didi Caillet, Miss Paraná, eleita em 1929, e 2º lugar no Miss Brasil. Didi foi uma mulher à frente do seu tempo, tanto que foi eleita Miss Inteligência no concurso, realizado no Rio de Janeiro, quando foi ovacionada como se fosse a vencedora. Seu retorno causou comoção popular, com uma multidão saudando-a pelas ruas de Curitiba. A coleção de Silmar Alves relembra as silhuetas dos anos 20, com muitas franjas, bordados em pérolas, miçangas, canutilhos, transportados para os dias atuais. Joias com referência à Belle Époque, do acervo do designer de joias Rodrigo Alarcón, deram brilho extra ao desfile das misses do estilista.

ABÔ Tricot

Assinatura de Gabriela Abdulmassih transparece em peças que fogem do convencional como nas que são confeccionadas com tricot rendado, cujos desenhos são releituras das tradicionais rendas, e nos  jacquards, com estampas trabalhadas no próprio tricot. A coleção vista na passarela, Trama Lifestyle, foi inspirada no conceito de trama – estrutrura de elementos que se cruzam e se interligam como se formassem uma renda.

REPTÍLIA

Assinada pela designer Heloisa Strobel Jorge, a marca alia design de vanguarda com técnicas tradicionais para produzir peças únicas. Tingimentos manuais, couros naturais e sedas puras valorizam o seu trabalho. A coleção apresentada no Memorial contou com a parceria de dois outros autores – os designers de joias Felippe Guerra e Yan Galas, que desenvolveram uma linha exclusiva para compor os looks mostrados na passarela.

GILDO KIST

Gildo Kist representou na AMA/Curitiba o conceito de alta-costura presente em um nicho específico – o de festa. Uma tradição que continua presente nos dias de hoje, aliás, ainda mais valorizada uma vez que apresenta um elaborado trabalho que inclui acabamento e caimento perfeitos, opção por tecidos nobres, bordados e arremates que exigem uma mão de obra especializada. A coleção do estilista teve na passarela a companhia de joias assinadas por Rodrigo Alarcón.

MNOVAK

Arquiteto por formação, José Marcos Novak optou pelo design de bolsas para expressar sua sensibilidade. Uma sensibilidade que não esconde a “fabricação” de peças segundo os cálculos precisos exigidos pela construção de uma obra. Por outro lado, ele  não dispensa a mão de obra artesanal no processo de produção e o uso de fitas como matéria-prima. Recursos que identificam um trabalho associado à leveza, textura e praticidade de bolsas nos mais diversos formatos. Os vestidos que acompanharam a produção do desfile da MNOVAK foram confeccionados no atelier da Reptília, de  Heloisa Jorge Strobel.

DAISY RIEKE

A união da empresária Daisy Rieke, cujo nome batiza a marca, com o designer português Romão Ferreira resultou em uma linha de sapatos femininos que pede muita atitude para ser desfilada além das passarelas. Tem na exclusividade seu principal apelo – de cada modelo é fabricado apenas um par por numeração e a produção obedece aos trâmites artesanais –  por isso, os pares são disputados por mulheres que não se inserem no perfil de uma elegância clássica. São ousadas, a começar pelas decididas passadas que marcam o seu cotidiano.

DAMATTA

Recém-chegada ao mercado – 2015 é o ano do seu nascimento – a marca tem dupla assinatura,  a de Camila e a de Cyntia. As irmãs Damatta aliaram talento e criatividade para lançar uma linha em que roupas e joias conversam entre si. São produtos com história pra contar. Desenhos e formas repetem-se na modelagem das peças, tanto em tecidos como nos materiais nobre que compõem os acessórios. Trabalho em conjunto exemplificado na coleção inspirada na monocromia da arquitetura grega apresentada na 1ª AMA/Curitiba. Quem assina o quê? Camila, as roupas e Cyntia, as joias.

RÊVE

Evelise Trombini é a empresária/estilista que “fura os dedos” enquanto alfineta as peças que ela não libera enquanto não tiverem a modelagem e o caimento por ela desejados. Neste cuidado está a proposta de uma marca, que mesmo não se distanciando de inspirações da temporada, se insere totalmente no conceito de “roupa de atelier” grudado à moda autoral. Tecidos, como couro e seda, são constantes nas coleções da Rêve, conferindo-lhes a praticidade do slow fashion, que tem como característica principal permanecer atual independente de estação. Complementando os looks no desfile, as joias autorais de Rodrigo Alarcón.

 1ªAMA/Curitiba – Amostra de Moda Autoral, idealizada e coordenada pelo produtor Paulo Martins e pela jornalista Nereide Michel, aconteceu de 10 a 12 de setembro, no Memorial de Curitiba.