Conecte-se

Mary Arantes não produz apenas peças para complementar um estilo de elegância. Ela tece histórias em cada coleção que cria. Não são histórias nascidas apenas de sua imaginação.  Anéis, brincos, colares, braceletes, que compõem a linha para uma temporada – que no seu caso é atemporada, pois seu trabalho não se prende e nem se perde nos calendários de moda –  têm sempre a presença de personagens, inspiradores de suas tramas. Eles podem ser encontrados  nas ruas e cidades, com endereço fixo ou estar nas memórias da designer. Mas que eles existem,  isso não resta a menor dúvida!

Adélia Prado, escritora mineira de rimas que conquistam pela delicadeza, é a personagem de Mary Arantes para a sua coleção direcionada ao Inverno 2015. E é Mary quem conta como as peças inspiradas na poeta começaram a ganhar formas. De uma ousadia sua, ela confessa, ao escrever uma carta para a sua musa.

“Sempre a vi desprovida de qualquer acessório, a não ser um óculos e a aliança, símbolo de seu compromisso com  José. Mesmo assim fechava os olhos e me punha a imaginá-la, adornada por alguma biju.

Esta coleção foi concebida para uma poeta mineira, do interior de Minas. Mulher maiúscula, que aprendi desde cedo a admirar, primeiro pela poesia, depois pela prosa e postura de vida. Mulher simples, elegante e coerente em tudo que faz. Seus cabelos brancos me ensinaram, em todos estes anos que a acompanho, que enquanto eles ficam brancos, as mãos vão colorindo demanchinhas. A pele do rosto vai quadriculando de micro pedacinhos, como se casca de ovos quebrados fossem. E nesse conjunto harmonioso, percebo nela a beleza do tempo acontecendo. Fervorosa, amorosa, caseira, fui aumentando na minha vida, com o amor dela, o gosto pela família, a fé inabalável e a falta de vaidade pelo que um dia não será nosso.

No meu silêncio criativo, fui até ela inúmeras vezes, sentamos na sala, tomamos café, apreciava cada gesto dela, como se cada um pudesse me  conceber a honra da criação.Experimentava em seu colo, pousar  um fio de pérolas ou outra conta que não roubasse a pureza da mulher da minha cabeça, quase santa. Um brinco, miúdo que fosse roçaria seus ouvidos. Sobre os dedos, acrescentava um singelo anel, elo que fazia meu coração ficar, inda mais disparado.

Depois do café fomos ao quarto do casal (intimidade máxima desta visita), pedi que me mostrasse suas gavetas, seus guardados, quiçá alguma biju afetiva veria, algo que me indicasse como seriam os guardados e as joias dessa mulher. Como era imaginação, vi apenas dentinhos de leite embalados no algodão por uma mãe zelosa, medalhas de louvor à Nossa Senhora, terços e rosários de letras, cadernetinhas preciosas, anotadas à lápis, seus maiores tesouros!

E foi assim que comecei a criar esta coleção, sem licença poética. Apesar de nunca tê-la visto usando um único colar, fiz esta coleção em homenagem à Adélia Prado.

 Seria a coleção, com a qual a enfeitaria em meus sonhos, se ela permitisse. Imaginei Adélia, como ela é, porém adornada desses encantos que a moda tem.

A pérola foi minha grande aliada, pois este material sempre me remete a algo verdadeiro, e ela não é mulher de nada falso. Tirei praticamente todo o brilho dos metais, optei pelo aspecto fosco e envelhecido, assim como as contas, a grande maioria, opacas e quando brilham, foram embaladas por tecidos, como um véu. É assim que a vejo, avessa a brilhos. Sendo assim, as peças  foram criadas em tonalidades harmoniosas, criadas para serem usadas conjugadas, como  se rimas fossem, como se todas fizessem parte de um grande poema. Os banhos envelhecidos, dão principalmente aos colares, um certo ar de pertencimento.

Na visita imaginária, percebi que a casa da Adélia ainda tem jardim à frente, com manacás, um pé de romã e roseiras. Dessa flor, fiz um colar de rosas em cacho, um colar florido que a ela ofereço!

Não quis escrever versos em colares, eles já estão nos livros, enfeitam nossa alma, adornam o coração de quem os lê, entranham em nosso ser.

A fé foi posta em prática,  em chaveiros devocionais, azulejos com estampas de santos e em colares; um em forma de terço moderno, outro que parece acolher medalhas, relíquias e talismãs afetivos, verdadeiro amuleto de viajantes dessa vida.

Adélia, é tua esta coleção que quase não tem cor. É preta, séria, serena, sóbria. Tem luz sem ter brilho. Minha intenção, é que “rimasse“com a sua pessoa, ornasse seu ser, pontuasse seuouvido como um segredo, criasse elos com seus dedos, calejados de ladainhas e rimas.

É a ti Adélia, flor da terra, que dedico meu tesouro. Não são joias,  apenas fantasia dessa sua fã!

 Com amor,

 Mary Figueiredo Arantes

Salve 27 de setembro 2014

 PS: Uma certa tarde, meu celular toca, quando do outro lado da linha uma voz  feminina me diz: Mary, é Adélia Prado! Como imaginei em todos estes meses, meu coração disparou.. Release e uma carta pedindo autorização, foram a ela entregues.  E minha fantasia, realidade se fez.”

COM O CORAÇÃO DISPARADO

Com tanta emoção na origem da coleção que Mary Arantes batizou apropriadamente Com o Coração Disparado, impossível não se deixar sensibilizar por uma “fantasia feita realidade”. Em cada brinco, colar, pulseira e anel, cores e materiais se misturam para refletir o que na imaginação da designer seriam as joias de Adélia Prado, sua inspiradora. Rimas escritas com a delicadeza de quem tece peças como se estas fossem poesia.