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por Nereide Michel em 29/05/2025

 Um apelo do Papa Francisco – construir pontes e não muros – adotado pelo seu sucessor, Leão XIV, transpôs barreiras. Católicos ou não entenderam a mensagem como um ato de aproximação e integração entre diferentes povos, independente de religião, condição social ou herança cultural.

A ponte é a construção que liga duas margens, mas antes há o muro, que separa e isola. Urgente derrubá-lo. Mas, nem sempre isso é possível. Marretadas empunhadas com força podem danificá-lo mas não deixar visível o que ele oculta. Muitas vezes, é a sensibilidade que reconhece o que está escondido dos olhares de quem vive fora do muro e busca na sutileza da arte uma forma para, finalmente, demolir o obstáculo.

“Desse Lado do Muro”, mostra de fotos expostas nas paredes do prédio do antigo Centro de Triagem da Rua Barão do Rio Branco, no Centro de Curitiba, insere-se neste contexto.  Nas imagens capturadas em 18 presídios de sete países da América Latina pelos fotógrafos Erick Dau, Francisco Proner e Thiago Dezan, é perceptível o apelo para a construção de uma ponte entre a realidade cruel dos moradores de celas e um mundo que respira liberdade mas infelizmente também alienação.

Francisco Proner

A proposta de “Desse Lado do Muro” é escancarar os muros da invisibilidade, provocando empatia, desconforto e reflexão sobre as condições humanas das pessoas privadas de liberdade. Ambientada entre celas e grades originais, a exposição convida o público a refletir sobre a realidade do sistema prisional latino-americano, por meio de fotografias em grande escala, vídeos captados nos presídios visitados, lambes e projeções. A exibição de imagens dentro de uma antiga solitária torna o espectador testemunha da aflição do detento. Cartas de presos narradas compõem a sonoplastia. 

Thiago Dezan

A realização de “Desse Lado do Muro” é do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR) como parte do Projeto Cárcere, em parceria com a agência Farpa. Mirele Camargo, diretora da instituição, conta que toda a expografia reforça o clima muitas vezes dramático e claustrofóbico, dos pavilhões prisionais. Segundo suas palavras, “não há como não ser impactado pela atmosfera desse espaço, que nos leva inevitavelmente a refletir sobre o clausuramento, as condições de vida das pessoas privadas de liberdade e os efeitos disso sobre a saúde mental”.

A montagem da exposição contou com uma equipe de referência como o premiado iluminador Beto Bruel, responsável pelo projeto luminotécnico; a arquiteta e urbanista Pamela Santos, que assina o projeto arquitetônico; e a cenografia de Muga Riesemberg e Elerton Alerta Bertrão.

REALIDADE DOCUMENTADA

Thiago Dezan

Ao documentar a rotina de presídios em diferentes países da América Latina, o trabalho da Agência Farpa – criada em 2017 e reconhecida internacionalmente por seu jornalismo visual – expõe um cenário marcado por superlotação, violações de direitos humanos, precariedade estrutural e negligência. O trabalho da Farpa já foi publicado em meios como Vice, The Intercept, The New York Times, The Guardian, The New Yorker, Folha de São Paulo, El País, O Globo, National Geographic, Greenpeace, Al Jazeera, The Globe and Mail, Washington Post e CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Teve ainda trabalhos premiados no Pictures of the Year – POY Latam 2019 – Menção Honrosa categoria “Notícias Individuais” e também no SND (Society of News Design) na categoria Photography – Single-Day Photo Series em 2019.

ESPAÇO RESSIGNIFICADO 

Integrada à iniciativa de expansão do MIS-PR, a mostra marca o início da readequação do antigo Centro de Triagem, que por anos funcionou como local de custódia temporária sob a responsabilidade da Polícia Civil do Paraná. O prédio, anexo ao Palácio da Liberdade, sede histórica do MIS-PR, foi desativado em 2023 após um acordo entre as secretarias estaduais da Segurança Pública e da Cultura, e agora passa a integrar o projeto Cárcere, que prevê uma profunda transformação do espaço, com foco em cultura, direitos humanos e memória.

ONDE ESTÁ

EXPOSIÇÃO “DESSE LADO DO MURO”

MIS- PR I, Antigo Centro de Triagem

Rua Barão do Rio Branco, Curitiba

Início: 1º de maio com previsão de permanecer aberta por mais três meses

Realização: AAMIS (Associação de Amigos do Museu da Imagem e do Som do Paraná) com recursos da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura

Projeto: Cárcere     

Patrocínio:  Instituto Humanitas 360                                                               

Visitação: gratuita, com agendamento prévio para três turmas diárias.

Informações: @mis_pr