por Nereide Michel em 26/03/2024
Silêncio no palco. Mas quanto se pode ouvir de atores e atrizes em cena! Palavras ditas através de gestos e expressões. Uma das grandes conquistas do 32º Festival de Curitiba – que acontece de 25 de março a 7 de abril espalhando o som dos espetáculos por múltiplos palcos da cidade – é calada, mas não de boca fechada. O enredo, embora no palco o texto descreva diferentes experiências, é de voz única: intérpretes em cena só querem ser ouvidos.
O ineditismo da Mostra Surda de Teatro na programação de um dos eventos culturais mais importantes do país, não apenas reforça a proposta do Festival de superar preconceitos e estereótipos através de ações inclusivas e facilidades de acessibilidade, como abre as cortinas para uma forma de expressão ainda pouco conhecida do grande público. Mas, com potencial de casa cheia quando se observa que ela inclui peças de temáticas tão variadas quanto as que lotam as salas de espetáculo mundo afora: tragédia, drama, palhaçaria, mímica, teatro de bonecos e teatro experimental. O que as difere é a maneira como o que transmitem chega aos espectadores: através da Língua Brasileira de Sinais – Libras – traduzida instantaneamente para a compreensão da plateia.
A Mostra Surda de Teatro tem curadoria e direção de Jonatas Medeiros e Rafaela Hoeble, artista surda, que levaram em conta na seleção das peças a participação de artistas surdos em todo o processo da montagem. Para Medeiros, que é diretor teatral e tradutor de Libras, fazer parte da programação do Festival de Teatro revela o avanço das pautas políticas das comunidades surdas, “um teatro surdo, que por muito tempo ficou circunscrito aos espaços de sua comunidade, sem possibilidade de diálogo com o teatro ouvinte.” Vitórias mas com muitos obstáculos a serem superados no Brasil principalmente na sua produção, conforme destaca Rafaela Hoebel, desde o acesso aos editais de cultura, passando pela falta de intérpretes de Libras nas escolas de arte dramática, o DRT, e as seleções de elenco que raramente contemplam artistas surdos.
Dificuldades vão desaparecendo a medida que o trabalho realizado dentro e fora dos palcos ganha maior divulgação. Uma missão assumida na 32ª edição do Festival de Curitiba pelos seus diretores, Leandro Knopfholz e Fabiula Passini. Na programação, sete peças montadas por grupos vindos de vários pontos do Brasil exemplificam a diversidade e amplitude dos espetáculos da Mostra Surda de Teatro. Nas atrações em cartaz no TUC – Teatro Universitário de Curitiba -, de 29 a 31 de março, estão os dramas “Sede de Sangue”, do Recife; “Dois Perdidos: A Língua não dita numa relação”, de São Carlos, São Paulo; e “Surdo, Logo Existo”, de Curitiba, as comédias “UFC – União Força da Comédia: Mimico Putz x Palhaço Surddy”, de Macapá e Recife e “Um Perfume Pra Te Conquistar”, de Florianópolis, além das experimentais curitibanas “Espaços” e “Visualingua”.
Como testemunha o vereador Angelo Vanhoni, um porta-voz das reivindicações inclusivas – ele foi relator do Plano Nacional de Educação em 2016, em que defendeu o reconhecimento e financiamento da educação bilíngue para surdos como modalidade de ensino – ao enfatizar que as peças em cartaz na Mostra “reforçam a importância da arte como afirmação para a transformação da vida, a afirmação do eu e a urgência de se construir uma sociedade atenta para a vivência de todas as pessoas.” Aliás ele é defensor de uma solução simples para uma comunicação sem barreiras – a difusão do ensino de Libras nas mesmas condições com que os demais idiomas são ensinados. Todos falariam a mesma língua.
+ INFOS
Mostra Surda de Teatro
32º Festival de Curitiba
Dias 29, 30 e 31 de março
Teatro Universitário de Curitiba (TUC)
Galeria Júlio Moreira, Travessa Nestor de Castro, s/n
Ingressos gratuitos: reservados com a Fluído Libras pelo whatsapp (41)98903-6987